19/07/2011

PRESENÇA EM JAPARATINGA



Por Jeyson Rodrigues

“Meu doutor é Jesus. Descer pro posto, eu num vô não, que dói as carne debaixo dos pés” (Dona Maria – aproximadamente 70 anos).
“Em tempo de chuva, meu fiu, já acontece de gente aqui ficar doente e agente botá ele num carro de mão e descer com ele pro posto, que a ambulância num sobe” (Seu João – aproximadamente 70 anos).
“- O senhor lembra de alguma coisa engraçada que aconteceu com o senhor, que o faz rir? -Lembro não. O que me trouxe alegria na vida foi Deus curar minhas filhas. A graça da minha vida é a graça de Deus. É o que me basta. Deus é poderoso” (Seu José – 83 anos).
“- Essa casa vai cair em cima da minha. A casa é da mãe dele. Ela saiu mas ele continua morando. Eu já disse pra ele derrubar a casa e sair, pra ela num cair em cima da minha. Mas ele num quer sair. Entre, venha ver. Pode entrar” (Seu Pedro – aproximadamente 30 anos).
“Ele disse que quando chegasse do trabalho já queria encontrar as minhas coisas fora de casa” (Antônia – aproximadamente 25 anos).
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As palavras de pessoas (pseudônimos) com as quais conversamos por estas bandas nos dois últimos fins de semana nos quais estivemos aqui (de 09 a 10 e de 15 a 17/07/11), falam por si. Às vezes nossos únicos sentimentos são de total perplexidade e impotência (ou incompetência) diante das questões que surgem diante de nós. O que dizer? O que fazer? Como fazer? Na maioria das vezes, não sabemos. Na maioria das vezes não temos respostas nem soluções. Talvez não tenhamos sempre que ter respostas e soluções, mas presença e companhia. Falo de sair de onde se está para ir. A mensagem da encarnação que talvez eu mais desobedeça, mas que mais me fala e incomoda. De um Cristo que, deixando sua habitação celeste e gloriosa (João 1.1-14; Filipenses 2.5-7), vem à humanidade, não oferecendo respostas pra todas as questões ou solução para todos os problemas, mas sua presença e companhia (Mateus 18. 20; 28. 20).

Sa(ir), v(ir), possibilitou a Cristo construir amizades (João 15. 15), aprender com quem menos esperava (Mateus 15. 21-28), ser aperfeiçoado (Hebreus 2. 10). Ir é bom. É que ir também implica se deparar com muita coisa boa, bonita e engraçada. Ir possibilita conhecer e rir com as histórias engraçadas de pessoas encantadoras como Eva. Ir possibilita ver cenas únicas como uma criança de aproximadamente 3 anos disputando (cabo-de-guerra) um pedaço da frauda com o cachorrinho da vila. Ir possibilita ouvir coisas divertidas: “Oxe, o senhor é pastor[1] e usa brinco! Pastor num usa brinco não, é pecado” (Isaac – aproximadamente 5 anos). Ir possibilita tocar a língua e sentir o resistente gosto doce que o bagaço da cana preserva, apesar de moído[2]. Ir também possibilita encontro e aprendizado com outros e outras que também foram e que, indo, construíram uma vida de idas e vindas.

Me refiro a Jonh e Bia. À alegria de Jonh e à inteligência de Bia. À genialidade de Jonh e à intensidade de Bia. À vida de Jonh e Bia. Ao fiel e inspirador amor de Bia por Jonh e de Jonh, por Bia. Posso dizer que Jonh e Bia, tendo muitos motivos pra ficar em Maceió, decidiram ir a Japaratinga. Posso dizer que, para mim, Bia e Jonh são alegria, felicidade, amor, família e presença.

Me refiro à sensibilidade, carisma, liderança e simpatia de Saionara. Me refiro à contextualização, inteligência e consistência ministerial de Marcílio. Confesso que conheci poucas pessoas tão qualificadas nesse esforço paradoxal de aproximar prática eclesial e evangelho. Posso dizer que sempre me surpreendo com eles. Posso dizer que eles se tornaram referências pra mim. Posso dizer que, para mim, Marcílio e Saiô são coerência, resistência, amor, hospitalidade, responsabilidade, cuidado e presença.

Me refiro a Cleide Galvão. Me refiro aos dez anos de sua vida que poderia ter investido em outras alternativas que oferecessem mais justo reconhecimento, retorno financeiro ou autonomia para ser e fazer o que lhe desse na telha, como no fim das contas, acontece com quase todos nós. Posso dizer que Cleide decidiu investir seu tempo no campo. Posso dizer que fez opção preferencial pelos pobres. Posso dizer que saiu do centro pra margem. Posso dizer que Cleide é pastora. Posso dizer que, para mim, Cleide é mergulho, coragem, persistência, simplicidade, feminilidade e presença.

Me refiro a Mari. Seu silêncio e sua voz doce e suave não são suas maiores virtudes (rsrs). Mas posso dizer que Mari é dessas pessoas cujo barulho deixa saudades. Posso dizer que Mari é dessas pessoas graciosamente teimosas que, mesmo precisando ficar, querem ir. Posso dizer que Mari é dessas pessoas que vão. Tendo seus próprios problemas e dilemas, sai, vai estar-com, presenciar e ouvir outros dilemas e problemas, às vezes menores que os seus. Posso dizer que Mari é dessas pessoas que, acostumadas a iluminar, chegam e iluminam, clareiam, às vezes sem nem perceberem. Posso dizer que, para mim, Mari é luz, força, riso, barulho, saudade, e presença.

Me refiro a Rúbia, que indo pro oitavo mês de gestação, queria-porque-queria subir o Alto da Repetidora: “dá pra eu ir, devagarzinho” (em um dos raros momentos em que eu decido alguma coisa na nossa relação, não permiti). Rubia não é vaidosa como eu. Não é orgulhosa como eu. Não é maluca como eu. Por ser mais simples, às vezes pode parecer ser ou poder menos, mas pode e é mais. É mais consistente, mais forte, mais franca, mais coerente, mais centrada e incomparavelmente mais bonita (rsrs). Posso dizer que, para mim, Rúbia é amor, carinho, confiança, honestidade, companheirismo, partilha e presença.

Em nossas últimas caminhadas em Japaratinga, procuramos uma casa (aluguel) para a família de Hilda. Conversamos com o Secretário de Assistência Social da cidade, que se comprometeu com o aluguel da casa para a família, ora ainda abrigada no templo da congregação, enquanto a verba destinada para atender as vítimas das enchentes não chegam para a construção das casas para os desabrigados. No dia 10, tivemos a Assembleia de Fundação da Associação de Moradores e Moradoras do Alto da Repetidora, com a presença de mais de trinta associados fundadores, na qual houve leitura e aprovação do Estatuto, eleição e posse da Diretoria e do Conselho Fiscal, e no dia 17, tivemos nossa primeira reunião de Diretoria. Insistimos na Associação para que um dia, oxalá, nenhum outro enfermo precise ser carregado pro Posto de Saúde, debaixo de chuva e em cima dum carro-de-mão enferrujado.

Estamos indo. Acertando, errando, irritando uns, rindo com outros, celebrando os cultos com poucos, nos aproximando e conversando com não-tão-poucos. Estamos indo. Sem respostas ou soluções pros problemas e dilemas das pessoas do Alto da Repetidora, mas oferecendo um pouquinho... muito pouco mesmo: um pouco do nosso tempo e da nossa presença, enquanto estamos aqui.


[1] São tão teimosos que já nem insisto pra não me chamarem “pastor”. Pelo menos assim, não corro risco de me tornar “o pastor-noiado” (rsrs).
[2] MONTEIRO, Marcos Adoniran Lemos. Um jumentinho na avenida: a missão da igreja e as cidades. Viçosa: Ultimato, 2007.




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