Jeyson Messias
Não há muita coisa na caminhada da Congregação Batista em Japaratinga. A comunidade de fé é integrada (não-oficialmente) por duas famílias, oriundas da favela no Alto da Repetidora. Uma delas vive dentro do templo da própria congregação. Daí o privilégio de sempre contarmos com a presença de pelo menos uma família em nossas celebrações (rsrs). Alí, temos experimentado uma bênção ambígua, mas interessante: o fato de a matriarca da família, ora abrigada no templo da congregação, se identificar como assembleiana. Alegria pela espontaneidade e liberdade que ela experimenta e que a faz se sentir à vontade para assumir sua identidade sem maiores constrangimentos. Perplexidade diante da nossa incompetência: não parecemos conseguir falar uma linguagem de espiritualidade que corresponda às expectativas, não só de nossa matriarca, mas do povo de Japaratinga, e especialmente do Alto da Repetidora, de forma geral.
Outra família que consideramos como fazendo parte da congregação não frequenta tão assiduamente nossas reuniões, mas também se sente a vontade para ir lá quando quer conversar, celebrar, desabafar ou estar junto, no pouco tempo que passamos na cidade (dos sábados até o início das tardes de domingo). Também contamos com a atitude de Vera, que produz os objetos artesanais que revendemos, e suas duas filhas pequenas, que também nos alegram com a presença e brincadeiras. É isso. Lá não fazemos nada demais, mas ao mesmo tempo caminhamos, ficamos juntos, conversamos, cantamos, ouvimos histórias de pessoas – paradoxalmente, não consigo pensar em muita coisa melhor que isso (rsrs). Não nos encaixamos nas perspectivas eclesiológica ou missiológica hegemônicas, tradicionais. Não temos tido uma postura proselitista. Não acreditamos ter algo a oferecer-lhes que seja maior do que o que eles têm a oferecer a nós.
Partilho estas palavras para desfazer algumas leituras mais otimistas ou românticas sobre a congregação e para não sermos mal compreendidos - confundidos com exemplares servos de Deus ou pastores de ovelhas. Não somos. Caminhamos com certa alegria e certa tristeza, com aqueles que não têm muito retorno a oferecer à instituição eclesiástica dos moldes tradicionais, mas que têm muito a oferecer a uma igreja disposta a reaprender a aprender. Aquelas pessoas ali, inclusive aquelas que nunca pisam numa igreja, realmente têm muito a nos ensinar. Talvez tudo isso soe como um projeto utópico, infantil. Mas somos meio infantis mesmo. Como já dissemos, mobilizamos moradores da favela no Alto da Repetidora para formarem uma associação de moradores, mas em agosto (mês em que a igreja deverá indicar missionários para assumir o ministério em Japaratinga, conforme combinado), estaremos deixando a caminhada naquela cidade para iniciar nossos próprios e antigos projetos em Maceió, agora com Ísis, nossa pequenina que breve nascerá. Assim, muitas coisas em Japaratinga vão se desdobrar de outras formas.
Em nossa última caminhada em Japaratinga, no dia 18 de junho, participamos de uma atividade recreativa dos jovens e adolescentes do Alto da Repetidora (alguns se interessaram em saber a localização da congregação). Marcamos a data para a reunião de formação da associação de moradores, no dia 09 de julho. Informamos as pessoas sobre nossa saída daquele campo, em agosto. Conversamos com possíveis líderes da atual movimentação e articulação dos moradores do Alto da Repetidora. Como, felizmente, a família de Ilda e Edmilson não quer mais voltar para a favela e deseja comprar um terreno de R$ 1.500,00, próximo ao sítio, combinamos disponibilizar os R$ 300,00 doados para a compra do terreno anterior, para a aquisição desse terreno plano, consequentemente, bem mais seguro. A família negociará o parcelamento do restante. Conversamos com a prefeita[1] sobre a questão das verbas enviadas pelo governo para atender às vítimas das chuvas[2] e sobre o compromisso que ela verbalmente assumiu: pagar os R$ 150,00 mensais do aluguel da casa onde Maria foi alocada[3]. Também tivemos nossa celebração, na qual contamos com a participação, nos louvores, de Edna, Edinha, Edson, Sr. Edmilson e Carolzinha, nossa primeira visitante da parte baixa da cidade. Refletimos sobre as dificuldades e vantagens da união e de se estar junto frente aos desafios da vida, com base em Ec 4. 9-12; Êx 12. 37 (o Êxodo); e Mt 26. 37-38.
Acho que é isso. Não temos tido muito tempo. Não temos tido muito dinheiro. Mas temos tido ajuda e amigos. Temos tido Ilda, Edmilson, Alisson, Edna, Dinha, Bruno, Edson e Edmilsinho. Temos tido Maria e sua família, Vera e suas filhas. Temos tido aqueles aos quais não temos, mas que, todavia, têm-nos: pessoas que nunca visitaram a congregação, mas que sempre nos permitem visitá-las. Temos tido a Mari. Temos tido a IBP. Temos tido o importante legado de Cleide, Marcílio e Sayonara. Temos tido comida simples e gostosa. Temos tido conversas e cânticos. Temos tido pequenos bons momentos com Jesus de Nazaré. Temos tido tudo o que precisamos.
Um dia desses nos questionávamos sobre como temos nos posicionado naquela cidade. Diante das nossas incompetências e do pouco tempo que concordamos em ali permanecer, deveríamos ter mergulhado mais? Deveríamos ter mergulhado menos? Mas estou quase convencido de que somos o que somos, e não o que poderíamos ou deveríamos ser.
[1] Por razões que ainda não conhecemos, o prefeito anterior foi afastado do cargo para que a ex-vice-prefeita assumisse.
[2] A prefeita nos informou que o envio das verbas já foi aprovado, e que o órgão responsável só está esperando que a prefeitura envie um Plano de Ação, para a liberação do dinheiro.
[3] Para acompanharmos os repasses da prefeitura e por algumas dificuldades que já surgiram, resolvemos criar uma conta poupança em nome da congregação batista em Japaratinga, onde, mensalmente, a prefeitura deverá depositar o valor dos aluguéis da casa onde Maria está provisoriamente morando.
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