COM QUANTOS PAUS SE FAZ UMA CANOA?
Na simplicidade ou na quase
inocência dessa pergunta podem estar escondidas duras realidades de opressão e
dominação. No fundo, ela expressa um sentimento autoritário que procura
estabelecer, pela força e violência, o pensamento único como verdade absoluta.
Na singeleza da resposta,
pois é apenas com um pau que se faz uma canoa, o inquiridor está tentando dizer
que, naquele espaço ou naquela situação, ele e tão somente ele, poderá dar a
resposta, ou quiçá, ser ele mesmo a própria resposta. Em bom português quer
dizer: aqui quem manda sou eu, a palavra final é a minha e a vontade que
prevalece também é a minha. Naturalmente isso é reflexo de um sentimento
autoritário, violento, sem espaço para outras formas de pensar, propor, ser e
agir.
O fundamentalismo também é
uma expressão do autoritarismo e do sectarismo. Uma tentativa de redução da
diversidade e da riqueza de suas expressões, ao sentimento de uma suposta
verdade única, monocromática e monotônica. É a não aceitação do outro, a
rejeição de tudo o que não cabe em nós mesmos, é o Narciso que acha feio tudo o
que não é espelho.
A proposta de andar na
contramão, por si mesma, já nos coloca em condições de risco. O simples fato de
caminhar já é capaz de trincar os “fundamentos”. O caminhar simboliza a
rejeição a tudo que é estático, ao que paralisa e imobiliza. O fundamentalista
não aceita movimentos, porque movimento é vida. Nestes casos, é melhor ser
pisoteado do que ser mais um na multidão.
A ABB quer estar no caminho,
andar com as minorias, com os esquecidos e com os perseguidos. Quer andar na
contramão de uma sociedade que, abastecida com o inflamável combustível político
e religioso, lançado com fartura por uma laia de inomináveis políticos e por
falsos pastores, perigosos e belicosos, agora, com claridade solar, nos mostram
o pior de suas faces tiranas, ditatoriais e imperialistas. Resistiremos na
força do Espírito. Lutaremos, pois outra resposta não há para a mesma pergunta
que o Cristo fez aos seus discípulos quando os mesmos poderes políticos e
religiosos formaram aliança para o matar: “- E vocês, também querem me abandonar?”
A resposta ainda é a mesma: “- Para quem iremos nós? Só tu tens a palavra da
vida.”
Vamos caminhar, resistir e
vencer, porque não há mal que dure para sempre. Dias difíceis ainda virão,
sofrimentos e desaparecimentos como o de Mariele Franco, mas mostraremos que a
nossa canoa não é feita apenas com um pau, mas sim com uma diversidade deles. É
feita com todxs os LGBTQS+, com homens e mulheres, héteros e não-héteros, com
pretos assumidos e também com brancos que veem na injustiça racial uma afronta
ao Criador. Com os empobrecidos e com os ricos que forem capazes de assumir a
sua pobreza diante de Deus e dos homens.
A nossa canoa é feita com a
igualdade de gênero. Com os portadores de qualquer deficiência, menos as éticas
e as de caráter. É feita com idosos, jovens e crianças. Também com todas as
representações de diferentes matrizes religiosas. Enfim, a nossa canoa é feita
por todxs e com todxs e nela cabem todxs, porque “Todos juntos somos fortes,
somos flecha e somos arco, todos nós no mesmo barco não há nada a temer, ao meu
lado há um amigo que é preciso proteger... todos juntos somos fortes, não há nada
a temer”* (*composição de Sérgio Bardotti, do conto os músicos de Bremen, dos
irmãos Grimm. Adaptação de Chico Buarque)