11/10/2019

Boletim Dominical 13/10/2019


IRMÃ DULCE E DOM HELDER CÂMARA
“Disse Jesus: tenho compaixão desta multidão; já faz três dias que eles estão comigo e nada têm para comer”. Marcos 8:2

            Neste domingo, a irmã Dulce (nordestina nascida na Bahia), conhecida como o “Anjo Bom da Bahia”, será beatificada pela Igreja Católica em Roma. A partir de hoje, formalmente, esta frágil mulher que dedicou sua vida inteira a cuidar dos excluídxs das ruas de Salvador-BA, finalmente será sagrada “Santa” conforme a fé e as regras da sua igreja. Exemplo fantástico de vida e de prática para uma sociedade ensimesmada e apaixonada pelo sucesso e aplauso. Minha oração é que surjam outras irmãs Dulces desejando, despretensiosamente, servir àquelxs que estão esquecidxs pelas políticas públicas e oportunidades desta vida.
            Quero aproveitar para trazer à nossa memória outro nordestino nascido no Ceará que, a exemplo da irmã Dulce, chamou a atenção do mundo pelas suas inúmeras obras de caridade e da sua luta em defesa daquelxs empobrecidxs do seu tempo. Dom Helder Câmara, foi Arcebispo de Olinda e Recife, dedicando todo seu arcebispado aos empobrecidxs destas duas cidades. O problema talvez da luta de Dom Helder, diferente da luta e dedicação da Irmã Dulce, é que ele não se limitou a alimentar aos famintxs. Ele dizia: “Quando dou comida aos pobres me chamam de santo. Quando pergunto a causa da fome me chamam de comunista”. Muito provavelmente, a grande maioria dos católicos destes últimos dias veem na vida da Irmã Dulce algo a ser seguido, já na vida de Dom Helder nem tanto.
            A compaixão pelos que passam fome não pode se limitar a apenas alimentá-lxs. A máquina de produzir miséria do sistema majoritário capitalista selvagem em voga no mundo, não para de moer gente e de lançá-lxs na rua da amargura. Tudo que o sistema precisa é de “santxs” obedientes, “distantes da política” que restrinjam suas ações ao campo da “caridade” sem fazer perguntas e denúncias incômodas (Amós 4:7, 10-15a, 21-24). Precisamos desenvolver uma compaixão que nos mova a - com uma mão compartilhar misericórdia através da partilha imediata do socorro a quem está na beira do precipício social e com a outra mão lutar para estancar a produção da miséria e exclusão através do acúmulo do capital nas mãos de uns poucos (Ler matéria do Jornal El País no brasil.elpais.com: “Seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre”).
            Concluo esta breve reflexão indagando: Devemos seguir apenas o bom exemplo da Irmã Dulce só agora, declarada santa para cúpula romana da sua igreja? O exemplo de Dom Helder Câmara deve nos desafiar em algo para além da caridade refletida tão somente no enfrentamento das necessidades imediatas sem fazer nenhum tipo de reflexão e luta que importune os senhorxs da Casa Grande? A comunidade IBP, através dxs pastorxs e missionárixs, na sua visão seriam consideradxs santxs ou “comunistxs” pela opinião pública vigente nestes últimos tempos em nosso país? A comunidade IBP, através dxs pastorxs e missionárixs, devem se limitar a acolher as vítimas da violência, fome e abandono, sem querer saber as causas para serem considerdxs santxs pela opinião pública ou continuar fazendo perguntas incômodas e denunciando as estruturas que produzem a opressão, mesmo que para isto sejam consideradas de forma pejorativa “comunistxs” pelo fato de se negarem a serem bons(as) religiosxs que diminuem a fome por um lado e abraçam quem a produz por outro?
            Confesso que não tenho vocação nem condições de ser considerado “santo”, com todo respeito, pela escola da Irmã Dulce. Que sejamos tomadxs de compaixão na luta para acabar com a fome e a exclusão, a exemplo da Irmã Dulce. Ao mesmo tempo, estejamos prontxs a ser tomadxs por uma compaixão profética cheia de indignação contra aquelxs que produzem a miséria e a fome, perguntando a causa e denunciando quem a produz, a exemplo de Dom Helder. Que Jesus de Nazaré que não se acovardou com a cruz, seja nossa inspiração na luta e missão de alimentar os famintos e de denunciar os que produzem a fome. Nem “santxs” nem “comunistas”, apenas servxs de Jesus de Nazaré.
Do seu pastor e amigo, 
Wellington Santos