O
NATAL QUE NÃO QUEREMOS VER
Mateus
2:16-18
Quando chega esta época, dizem as propagandas
midiáticas que o “amor” fica exalando pelo ar. Músicas suaves, luzes iluminando
nossas cidades e casas, ornamentações (simples e estilizadas),
confraternizações variadas, presentes, jantares especiais e algo mais, ajudam a
dar um tom mágico ao período natalino. Afinal de contas, num país declarado de
maioria Cristã, o natal é (pelo menos deveria ser) a celebração do nascimento
de Jesus Cristo, o salvador da humanidade.
Existe um natal que todos nós apreciamos e
gostaríamos que se estendesse por todo ano. Talvez assim, em vez de contendas, brigas
e disputas que vão das nossas casas, locais de trabalho e muitas vezes chegam até
em nossos locais de culto, viveríamos um tempo estendido de harmonia, paz e
relações mais amoráveis.
As narrativas natalinas contadas e recontadas
ano a ano, já fazem parte do nosso imaginário, entretanto, algumas cenas das
narrativas natalinas que encontramos nas escrituras são indigestas e talvez por
isto, não fazemos muita questão de conhecer. Uma delas diz respeito à citação
bíblica registada em Mateus 2:16-18. Nesta passagem bíblica, após o rei Herodes
ser enganado pelos reis magos, tomado de fúria, determinou que todos os meninos
abaixo de dois anos fossem mortos em Belém e arredores (v.16). Esta atitude fez
cumprir uma triste profecia encontrada em Jeremias 31:15: “Ouviu-se uma voz em
Ramá, choro e grande lamentação; é Raquel que chora por seus filhos e recusa
ser consolada, porque já não existem” (v.v. 17 e 18).
No natal que não queremos, ver crianças
pobres, negras e periféricas continuam sendo assassinadas pelos “Herodes”
contemporâneos nas madrugadas da vida. Mães e pais choram a ausência dos seus
filhos. No natal que não queremos ver, nossas opulências precisam ser
justificadas com o “espírito” natalino de “Confra”, pois, afinal de contas não
temos culpa da fome e desesperança que ronda a maioria das nossas famílias pelo
mundo. No natal que não queremos ver, parece que a violência que coloca em
risco as vidas de mulheres e LGBTQI+, especialmente pobres, durante todo o ano;
fazemos questão de esquecer e de acreditar que isto não passa de devaneio da
cabeça de alguns.
O natal é sim tempo de parar e refletir
acerca do nascimento de uma criança especial, de família pobre e refugiada, que
precisa nos primeiros dias de vida, se esconder e mudar de lugar às pressas
para não ser assassinada logo ao nascer, a exemplo dos seus pequeninos irmãos
em Belém (Mateus 2:16-18). Esta cena continua se repetindo e acontecendo todos
os dias do ano, bem debaixo do nosso nariz.
Natal sem reflexão, lágrimas, silêncio,
simplicidade, introspecção, solidariedade, compaixão e um desejo profundo de
mudança de vida durante todo o transcorrer do ano, torna-se apenas mais uma
festinha consumista, vazia, pagã e refém do deus capital que celebra a
inutilidade do SER em detrimento da celebração do TER.
Gosto do natal, já gostei menos. Hoje procuro
celebrar o natal com todas as suas dimensões de boas novas de alegria (Lucas
2:8-14) e não esconder dos meus olhos e emoções o natal de mães e pais chorando
as injustiças do seu tempo (Mateus 2:16-18). Que de olhos e corações abertos
para todas as cenas natalinas narradas nas escrituras, possamos ter uma mudança
profunda de atitude diante da vida e do nosso semelhante.
Do seu pastor e amigo,
Wellington Santos